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segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

TEXTO DO DIA - NOITE FELIZ

Mais de 30 graus. É verão no Brasil, embora flocos falsos de neve caiam das abóbadas de vidro dos shopping centers. Você está parado no trânsito, tentando entrar em um estacionamento lotado. O décimoterceiro ainda nem foi depositado, mas você já gastou por conta, e ainda faltam aqueles 15 presentinhos da lista. Tem também o peru, que você ainda não comprou e acha meio sem graça, mas não vai passar sem ele assando por horas no seu forno – se estiver funcionando. Logo, logo chegam os parentes que vêm de mala e cuia passar uns dias em sua casa. E ainda tem aquela festinha de confraternização no trabalho...

Pois pare agora. Seu Papai Noel acendeu o alerta vermelho. Você está sofrendo os sintomas do que podemos batizar de TPN (tensão pré-Natal), uma síndrome contemporânea que atinge pessoas em todos os cantos do mundo, aonde a festa chega carregada de um monte de coisas que já não significam muito, mas dão bastante despesa e algumas dores de cabeça. É nessa hora que vale a pena tirar a lista de compras da frente e entender os significados mais originais dessa data.

Para ter, de fato, uma noite feliz.

Pensando bem, hoje nosso Natal parece enredo de escola de samba, que junta coisas que em princípio não têm nada a ver. Era festa pagã e virou religiosa. Celebra o nascimento de Jesus, embora haja sinais de que isso tenha ocorrido em outra época do ano, não em dezembro. Papai Noel era turco, não se vestia de vermelho e, para dizer a verdade, nem se chamava Noel. Sentiu?

O Natal é herdeiro de uma homenagem ao deus Sol, que acontecia no hemisfério norte. Era um festa para marcar o solstício de inverno, quer dizer, o dia mais curto e escuro do ano, que cai perto de 22 de dezembro. Representava uma comemoração pela chegada da luz, pois depois daquela data os dias ficavam mais ensolarados. No fim do século 4, pegando uma carona, o papa Júlio I decreta o dia 25 de dezembro como data para celebrar o nascimento de Cristo – embora ninguém se arrisque a dizer exatamente quando o menino nasceu. “Os textos bíblicos narram o nascimento em uma época que, pela descrição da cena, não poderia ser dezembro, que é inverno no hemisfério norte”, diz Carlos Caldas, professor de ciências da religião da Universidade Mackenzie.

A figura do Papai Noel só se integrou aos rituais depois. Veio de Nicolau, bispo da região da Turquia, que tinha fama de presenteiro. Depois, sua fama se espalhou pela Europa e ele virou santo. O nome Noel vem da expressão francesa usada para designar o Natal. Em Portugal, ele é Papai Natal. Em inglês, é Santa Claus. As roupas vermelhas e a carinha rechonchuda do bom velhinho se popularizaram graças à publicidade. Não à toa, o Natal agora é a data mais iluminada no calendário do comércio mundial, época em que mais se fatura. Desse ponto de vista, é um “sintoma da nossa cultura”, em que o consumo tem um papel importante, de acordo com o psicanalista Oscar Cesarotto, professor de comunicação e semiótica da PUC de São Paulo.“Mudamos nós ou mudou o Natal?”, pergunta ele.

O sentido do Natal
Então toda a festa do 25 de dezembro não tem sentido? Claro que tem. Cada um de nós pode dar seu próprio sentido ao Natal e, bem peneirados, os princípios que estão por trás dessa festa ainda valem – e muito. Quem vai negar a importância da renovação,do encontro com quem a gente gosta, da exaltação da paz? Pois esses são alguns dos significados do Natal, que às vezes se perdem no meio dos afazeres e da sensação de que não sabemos direito o que estamos festejando.

A renovação, por exemplo, está muito ligada à celebração cristã do Natal. No mundo ocidental, o nascimento de Cristo tem o significado de um grande recomeço. “A natalidade é a condição humana da renovação e, no mito cristão, foi uma mudança também da ordem social”, diz Dulce Critelli, professora de filosofia da PUC de São Paulo e diretora do Existentia – Centro de Orientação e Estudos da Condição Humana. “Cristo representa a possibilidade de se refazer, de retomar, de mudar o que não foi bom.”

Esse sentimento de renovação fica ainda mais presente por conta do fim do ano, quando as pessoas fazem balanço de suas vidas. É hora de festejar o que deu certo, de fazer planos para o futuro, mas também de encarar perdas e frustrações com aquilo que não aconteceu como se desejava. Como as festinhas de Natal promovem o reencontro entre as pessoas e as famílias, essa revisão passa também pelas relações com os outros. Com quem me dou bem, com quem gostaria de me entender melhor, quem realmente gosta de mim? “Nem sempre é fácil lidar com tudo isso”, afirma Dulce Critelli.

O que não dá é para ficar feliz por obrigação, só porque o Natal simboliza a alegria. “Nessa época é quase uma ofensa social não se alegrar, mas ninguém precisa se forçar a isso. A festividade muitas vezes fica constrangedora, e sentimentos de melancolia tomam conta”, diz o educador Mário Sérgio Cortella. “Toda festa que não é voluntária deixa um monte de gente de fora. São pessoas que não têm condições de festejar ou que sentem que aquilo tudo não lhes diz respeito.”

Tem outra: por mais que a gente tente entrar no clima de paz do Natal, não dá para fingir que israelenses e palestinos ficaram de bem, que a torcida do Flamengo saiu de braços dados com a do Fluminense ou que você passou a adorar aquela cunhada que sempre foi inconveniente. “Esse espírito natalino só é positivo se for verdadeiro. Não pode ser dissimulado”, diz Cortella. Portanto, nada de se forçar a agir com paz, amor e compaixão, só porque essas seriam as emoções “certas” para essa época.

Jeitinho natalino
Melhor é procurar esses sentimentos de forma autêntica. Muita gente já tentou e recomenda. A artista plástica Meire de Oliveira, que ilustra todos os meses a seção Outras Palavras da nossa revista, juntou-se com a mãe e fez uma reviravolta em suas noites natalinas. Elas deixaram para lá a ceia familiar e foram ao encontro de moradores de rua,munidas de tortas, bolos e carinho. “Sentíamos um grande vazio naquela comemoração caseira, um pesar muito grande por quem estava abandonado naquele momento. Decidimos mudar”, conta Meire. “Durante dez anos passou a ser assim: preparávamos as comidas e, sem medo, íamos encontrar os sem-teto na rua. Trocávamos idéias, dávamos as comidas e voltávamos aliviadas”, diz.
Para elas, a solidariedade deu nova dimensão para a data. “Curamos nosso Natal”, diz Meire. Coincidência ou não, o dia 25 de dezembro ficou ainda mais especial no ano passado, quando a artista não pôde encontrar os moradores de rua. Ela estava ocupada dando à luz sua filhinha, agora um motivo a mais para elas viverem noites felizes.

A família Zagatto, da cidade paulista de Piracicaba, encontrou um jeito criativo de resolver dois “problemas” de Natal. Todo ano, era aquela discussão sobre o que dar e qual o cardápio, polêmica agravada pelo fato de envolver uns 20 adultos e outras duas dezenas de crianças. Solução: criar um amigo-secreto familiar e, no lugar do peru, fazer um belo churrasco no almoço do dia 25. A família não abandonou tradições, como as orações e as poesias recitadas, mas pôde fazer uma renovação de fato. “Virou uma folia que dura o dia inteiro em volta da piscina”, conta Beatriz, que representa a geração de netas presentes à festa. “A coisa não pesa para ninguém, nem no bolso, graças ao amigo-secreto.”

Por sinal, os presentes são um fator de estresse difícil de ignorar. Claro que os reis magos não ficaram angustiados na hora de presentear o menino Jesus, mas eram outros tempos. Hoje, dar presentes pode ser um negócio complicado, que explica boa parte da nossa, digamos, “natalite aguda”. “Estão em jogo o que sentimos pela pessoa que vai ganhar, nossa capacidade financeira de comprar, nossos valores e nossa própria autoavaliação”, alerta Rita Amaral, pesquisadora do Núcleo de Antropologia Urbana da Universidade de São Paulo. Só que o ato de presentear deve ser agradável, até para que os presentes carreguem um conteúdo mais positivo. “Quando compramos por obrigação, tudo isso se esvazia e traz sentimentos ruins”, afirma Rita.

Moral da história: é melhor optar por menos quantidade e mais qualidade. No caso das crianças, o excesso pode até tirar parte do precioso prazer de abrir os embrulhos. Montes de caixas tornam cada presente um pouquinho menos importante. Brincar junto com os pequenos, fazer um teatro ou cantar algumas músicas podem ser outro bom jeito de festejar

“Quem procurar satisfação apenas nos presentes e na comida vai acabar se frustrando, pois a felicidade é uma construção que cada um deve fazer”, diz o padre claretiano Helmo Faccioli, responsável pela Igreja Imaculado Coração de Maria, em São Paulo. Para ele, há pessoas que se sentem “deslocadas” durante as festas natalinas não porque estejam sozinhas, mas porque não se encontram consigo mesmas. O padre costuma ouvir de fiéis declarações de alívio quando toda a lista de afazeres natalinos chega ao fim. “As pessoas falam: ‘Meu Natal está todo preparado, ufa!’ Mas eu pergunto: e nós, estamos preparados para essa noite?”

No limite, pode ser preferível não comemorar o Natal a fazê-lo a contragosto, diz Elaine St. James, autora que prega a simplificação geral da vida. Também vale achar formas próprias de criar o clima. Este ano, o psicanalista Oscar Cesarotto juntou amigos e parentes, e o grupo decidiu resgatar as tradições do Natal. Eles se reuniram em volta de um pinheiro, trocaram presentes, brindaram e passaram uma noite feliz. Detalhe: de propósito, a festa foi uma espécie de micareta natalina, em pleno dia 31 de julho.

Crie seu clima
RECORDE A INFÂNCIA. Lembre-se do que você mais gostava nos Natais da sua infância e tente repetir o que traz boas lembranças.

NÃO SE OBRIGUE. Descubra do que você não gosta no Natal e evite. Não se obrigue a participar e fazer coisas que sejam desagradáveis.

EXPERIMENTE EXPERIMENTAR. Reduza os gastos e convide outras pessoas a fazer o mesmo, buscando alternativas a despesas tradicionais. Será divertido experimentar algo mais criativo.

DEIXE A CULPA DE LADO. Ao menos neste dia, você não é o responsável pela miséria do mundo, pelos desentendimentos da família, pela roupa que sua filha diz que não tem, pela festa que gostaria de fazer e não fez, por isso, por aquilo...

DÊ VIDA ÀS TRADIÇÕES. Considere as origens e tradições que fazem sentido para você, sua família ou amigos e vá fundo nesse resgate. Isso dará mais sabor a tudo.

RESPEITE SUA VONTADE. Se você realmente não está a fim de Natal, diga para as pessoas que resolveu fazer um retiro, que continua gostando muito de todos e vá.

FAÇA MENOS. Uma ceia não precisa ter dez pratos diferentes, todos no tamanho “javali-do-Obelix”, para fazer sucesso. Um pequeno menu bem saboroso basta para uma noite e um dia seguinte de muitos prazeres à mesa.

(Extraído do livro Descomplique Seu Natal, de Elaine St. James) <

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